Sunday, April 30, 2006

Chuvas do Recife



Voltaram as chuvas do Recife
E com elas, as goteiras

Gotejam pelos ladrilhos
Pelos cantos das paredes
Nas telhas quebradas de velhice
No papelão roído,
Plástico, palha, caixote-cobertor

Mais água vai cair
Alagar ruas, quarteirões
Gente com frio, gente com fome
Sem casa
Sem chão
Só barco, sem peixe
Só lixo, sem prece

Que sustente as águas dos olhos
Barreiras sem vinco
Do Recife
Aterrado, lameado
descuidado

Quem dera
Se de longe soprasse um vento
E a chuva corresse lá pra dentro,
No meio do relampejo
Partindo daqui pra roça do sertanejo

Lá, mais o sol vai secar
Terra dura, rachada
encarnada,
Que só palma gosta de brotar

Água
dos olhos
Úmidos de tristeza
Amargurados com a natureza
De um Deus falso protetor
Que rima vida a
mau odor, rancor e dor

Saturday, April 29, 2006



O corpo padeceu
Febre, dor, suor

O coração amuou
Saudade, amor
Fiquei só

Enquanto a noite estrelava
A cerveja gelada
na mesa
Eu aqui
Acabada, deitada

A mente adormeceu
Sonho, delírio, calor
Assim o tempo passou

O dia nasceu inteiro
Sereno, perfeito, anil

Vou olhar você
Querer você
Em mais um 29 de abril

Tuesday, April 25, 2006

Tempo da delicadeza



Tenho vivido no tempo da delicadeza
Naquele que não houve qualquer canção
Que escolhe nota por nota
Que percebe de longe o som da flor
No instante em que ela desabrocha

Uma delicadeza tão minha
Que se esconde aqui por dentro
Se disfarça em voz quente
E rompe madrugadas
Na leitura de versos alheios

Nada nesse mundo mais cresce
Nada nesse mundo mais reduz
O tempo é o mesmo
Ocupado com a lembrança
Do que nunca veio,
Do que jamais ficou

Esses dedos que tocam em cordas
Seguem por si só
Nas horas, nas memórias que andam
Derramadas
No interno inverno de mim

Tuesday, April 11, 2006

VOZ



Dei pra cantar
e também cantei pra dar

aí viro voz
e o mundo vira som
som vira mundo

apago adiante
ilumino o instante
e canto pro vento

a brisa pega e leva
a voz que se entrega
à vida,
ávida-vida